15 julho 2013

Um conto solitário aleatório.



Acordou com o barulho a porta. Provavelmente o irmão acabara de sair. Que horas seriam, 15h? Mais tarde? Não importava, não fazia diferença. Antes acordava mais cedo, mas tanto faz.

Se espreguiçou enquanto empurrava as cobertas e sentava, esticando as pernas para fora. Sentiu sob os pés o carpete encardido quando se ergueu. A janela havia sido aberta, então o cômodo parecia arejado. Não que se importasse ou reparasse nisso. Saiu do quarto ainda sonolento. O portão se fechava, sinal de que estava só, podia apenas ouvir o ruído. Suspirou.

Continuou seu caminho para cozinha. Não se importava com desjejum, não mais. Abriu a geladeira e tirou de lá uma garrafa de cerveja, uma das pequenas, mas gelada. Abriu e voltou para o quarto sem pressa, tomando um gole ou outro. Nunca havia gostado daquilo. Daquele sabor amargo e estranho, daquela bebida amarelada. Mas ultimamente era bom, lhe fazia bem.

Não é como se alguém se importasse com ele. Antes alguém se importava, mas já foi.

Ao entrar novamente em seu quarto, parou diante do espelho.

Estava pálido, magro, seus cabelos estavam caindo cada dia mais, as olheiras tão escuras e profundas que não precisava ser muito perspicaz pra saber que ele não dormia bem. Parecia destruído, um corpo abandonado por ele mesmo. Juntou os lábios finos ao gargalo da garrafa de vidro e a ergueu, sentindo o líquido escorrer pela sua boca e descer até sua garganta. Seu celular tocou. Atravessou o quarto e o apanhou do chão, logo atendendo.

- Alô?
- Ah, oi... Sou eu. - Disse a voz feminina do outro lado da linha.
- Eu quem? - Respondeu.
- Eu, ué! Falei ontem que ia te ligar hoje pra sairmos de novo... Noite passada foi muito divertida... Adoraria repetir. - Disse manhosa, com a voz arrastada numa tentativa de sedução.
- Claro, claro... Quando você quer? Hoje?
- Aham, pode ser?
- Pode sim... No mesmo horário?
- Às 20h? Tudo bem!
- Fica marcado então, até lá. Tchau.
- Tchau... Imagine meus beijos até lá...

Ela riu e desligou o telefone. Outro suspiro. Tinha sido assim desde que ela foi embora. Muitas passando pela sua cama. Conheceu também outras camas. Ele não era feio, apesar de descuidado, e era divertido quando queria ser. Seus cabelos dourados, seus olhos azuis. Se ele se interessava elas se abriam para ele, literalmente. A única que não quis mais foi a que o deixou. Ele achou que era o que ele queria, ver-se livre dela. Mas não era. Ela o amava, ela cuidou dele, ela o tratou bem. Ela o transformou no único homem do mundo. Ele era o mundo. O mundo dela.

E então ele a perdeu, ela foi embora. Nenhuma outra será nunca capaz de amá-lo tanto, cuidar tão bem dele, acolhê-lo daquela forma. A garota sabia do que ele gostava, o que o agradava, como fazê-lo feliz... Além de ser linda, como poucas outras com ele ele dormiu eram capazes de ser.

Acabou a cerveja.

- Acho que você devia parar de beber. - Disse ela.
- Voltou pra me assombrar?
- Mas é claro! Eu sempre volto, sempre volto pra você.
- Mas não volta de verdade... Só é mais uma alucinação.
- Claro que sou uma alucinação, você acha que eu perderia meu tempo real com você? Depois de você ficar... Assim? - Disse com um tom animadamente cruel enquanto se aproximava dele recolhendo algumas roupas do chão e murmurando coisas como "eu gosto dessa camiseta, combina com você".
- Só fiquei assim... Por que você foi embora.

Ela sorriu e ajeitou os lisos fios negros atrás da orelha e parou na frente dele.

- Você me mandou embora, lembra? E então virou o tipo de pessoa que me enoja. Eu te amava tanto... Mas fazer o que? Essas são as consequências dos seus atos, sabe? Sua vida. Isso me magoa, querido.
- Magoa nada. Se magoasse você voltaria.
- Ora, não confunda as coisas. - Ela se abaixou na frente dele colocando as mãos sobre as dele - Eu me importo, mas não quero me aproximar de você. Eu prometi, certo? Eu cumpro sempre minha palavra, meu anjo, você devia cumprir a sua.

Os olhos dele se encheram de lágrimas. Ele não era e nunca fora o tipo de homem que chora, mas por ela... Pra ela... Já havia chorado tanto diante daqueles olhos cor-de-esmeralda. Só ela era digna de suas lágrimas. Sua mulher perfeita, sua musa. Tão sua que fora embora. Colocou as mãos contra o rosto ouvindo a garrafas cair no chão, mas não quebrou. As lágrimas escorreram mornas e silenciosas. Ela o abraçou.

- Eu sei que você sente minha falta, mas bebida e vadias não vão me trazer de volta... Nada vai. Você me perdeu, e foi uma perda definitiva. É cruel e doloroso, mas você está sozinho, mais do que já esteve em qualquer outro momento da sua vida. Você não tem ninguém, você não ama e não será amado por isso. Você não sabe mais sentir.
- Por que... - Disse entre soluços, embora falasse baixo - Por que você é tão cruel?

Ela então se aproximou de seu ouvido, ainda sorrindo, e sussurrou docemente enquanto acariciava seus rosto.

- Por que eu sou cruel. E você quer isso de mim, a cruel verdade. E ai está ela. Delicie-se.

E sumiu no ar.

E então ele voltou a estar sozinho.

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Sei lá, deu vontade de retratar uma angústia aleatória. Foi divertido, eu tava no clima.

Abraços fantasmas, vão possuir pessoas pra elas comentarem, go!

see ya

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