05 julho 2014

A Moça, o Cara e o Rapaz

Ouvindo "Cotidiano" do Chico Buarque, gosto tanto.

E ai? Faz um tempo, nem lembro qual foi a última postagem. Pois bem.

Queria só contar uma história.



Era uma vez um Cara. Esse Cara parecia pequeno, frágil, gentil. Num momento de fragilidade a amizade entre esse cara e a Moça se aproximaram. Ele meio que estava mal, triste, havia perdido o então amor da sua vida. E do nada os dois ficaram próximos. "Aquele olhar", murmurou pra si mesma quando percebeu um brilho no olhar dele.

E então se tornaram amigos, riram, se divertiram e ele contou abertamente que sentimentos pela Moça haviam surgido. A Moça tinha seu par, que não importa pra história, e eles eram amigos também. "Tudo bem" ela murmurou. "Paixões de verão... Se bem que é outono. Bom, vai passar" resolveu.

O tempo passou e o rapaz que a tinha perdeu seu brilho pra ela. Nada demais, "A vida aconteceu" resolveu. E então ela e o rapaz começaram a brigar, cada vez mais frequentemente, e o Cara fazia era incentivar que a Moça se libertasse daquele caos. Ele tinha razão, foi um bom conselho, mas ela temia que não fosse uma preocupação doce de melhor amigo, e sim interesse.

"Talvez se ela estivesse sozinha" ele pensou "eu teria mais chances.". Pois bem. A Moça tratou de esclarecer que não havia como, não havia chance, eram incompatíveis e o desejava apenas como amigo e nada mais.

Ele ficou triste. Cuidava dela, estava ali pra ela, do lado dela e não ganhava uma chance de demonstrar o quanto seriam perfeitos juntos? Divertiam-se na companhia um do outro sempre, ela sorria com ele e ao vê-lo e vice-versa. "Somos perfeitos juntos" murmurou. "Ela terá que perceber" resolveu.

Tentava o máximo que podia enaltecê-la, estar lá, aparecer, falar, olhar e participar. Mas acontece que as chances que ele mal tinha foram sufocadas pelo excesso de tentativas. A Moça se aborreceu. Nunca quis e nunca quereria estar com ele como amores, só como amigos, e só. E sentia-se ofendida pelo excesso de tentativas por parte dele.

- Mas somos praticamente namorados, veja como andamos juntos e nos vemos sempre! Como nos damos bem e as pessoas acham que devíamos ficar juntos, se já não estivermos!

- Pois saiba - Retrucou irritada, mas sem perder a postura e o cuidado - Que não é só contigo que sou assim, somos amigos, assim trato meus amigos, e se for pra colocar que acham que estamos juntos por como somos tratarei de passar-lhe uma lista de todos com quem sou assim. Sabe que sou gentil com quem gosto, e não gosto apenas de ti, aceite.

É quase desnecessário registrar que os fatos que ela empurrava, pouco a pouco, o tiravam do sério e lhe comiam a paciência. "Ninguém é por ela como eu, ninguém a ama como eu" resmungava sozinho. Pois acontece que a Moça acabou por se apaixonar pelo melhor amigo de ambos. Rapaz esse com quem ela andava de braços dados, visitava em casa e ria tão reluzente quanto ria com o Cara. E ele devolveu o afeto, pouco a pouco, de seu jeito e do jeito dela. Tão sutil e tão certo, os dois felizes por terem se dado essa chance depois de dois anos de pura amizade.

Ele odiou, não admitiu na hora, mas odiou tudo sobre isso e fez com que a Moça evitasse falar disso e mostrar perto dele, para não fazer-lhe mal, por que ela o queria bem. Ele insultou-a e disse que não teria futuro, contou coisas que o Rapaz lhe dissera e pedira para que guardasse, traiu a ele. E orgulhou-se disso.

Mesmo sem admitir, talvez nem pra si mesmo, ele quis estragar. Tê-la só era melhor que tê-la com alguém. Ela era dele por direito, talvez. Mesmo que ela houvesse perdido a calma e o estivesse, tratando mal de tão sufocada que se sentia, ele ainda a queria só pra ele.

Mesmo quando alegou ter deixado de amá-la, disse que nunca a amou nesse último ano inteiro em que ele, mais de uma vez, jurou amor eterno.

Ele não soube o que sentir. Ou uma grande mentira, nunca tê-la amado e a ter iludido nisso e feito com que ela moldasse a própria vida para não fazer-lhe mal, ou ele mentir sobre ter parado. Qualquer uma era ruim e dolorosa, ela bem sabia. E nenhuma era algo que um amigo faria, ela bem sabia.

Até que ele decidiu tratá-la realmente mal.

Fez pouco do que dizia, tentou humilhá-la e ofendê-la diante de amigos, ofendeu-a diretamente, falou dela pelas costas, fez com que a Moça se sentisse mal. Até ela revelar que algo a fazia mal e ele abertamente deu de ombros e disse não se importar.

Então tudo caiu e ela se cansou.

A Moça o condenou ao exílio, e para lá ele foi.

Por mais que ela seja forte, que ela não tenha reagido da forma esperada, ainda se pega pensando e inventando diálogos que não vão acontecer. Sente-se mal, infeliz e irritada por, novamente, deixar alguém chegar perto o suficiente para apunhalá-la. Gostaria apenas que ele fosse, de fato, o garoto meigo, gentil e pequeno que parecia ser, e não o grande peçonhento egoísta que se mostrou.

O que mais a tranquiliza é saber que nunca deu à ele a chance que ele não merecia.